Banda Cabaçal Bom Jesus dos Aflitos

Localização

Local: Exu – Pernambuco

Entrevista com os integrantes da Banda Cabaçal Bom Jesus dos Aflitos: Lourival Neves de Souza (Sr. Louro), Enio Franco de Oliveira (Trupé), Gelci Barbosa da Silva e Raimundo Pedro de Souza (Mundola)

Em Exu, terra de Luiz Gonzaga, a entrevista com a Banda Cabaçal Bom Jesus dos Aflitos, formada em 1981, mais pareceu uma aula de história da música brasileira. Estávamos diante de mestres da arte do pife, de quem ouvimos histórias de bastidores das tocadas que animavam as tardes do Rei do Baião nas suas visitas à terra natal. Lourival Nunes de Souza, o Louro do Pife, mestre na altura de seus 88 anos; Raimundo Pedro de Souza, o Mundola, aos 70, tocando uma caixa que rivaliza com o pife em sua virtuosidade; Ênio Franco de Oliveira, o Trupé, zabumbeiro que acompanhou Gonzagão em inúmeras oportunidades nos anos 1970 e 80, até o penúltimo show, em Caruaru; e além dos três, o competente Gelci Barbosa da Silva, que há décadas vem acompanhando Louro. Fomos encontrá-los no antigo rancho do Rei em Exu, hoje transformado em Memorial. Um tom realista impregnava o set de gravação, armado precisamente na varanda em que Gonzaga deitava em sua rede e ficava ouvindo a bandinha de pife que ele contratava para entretê-lo nas tardes de ócio.

Louro:

“Aprendi a tocar pife com o veio Pedro Moreira, a primeira pessoa que eu toquei. Depois veio o João Liberato, aí eu aprendi o resto. Eu tinha 34 anos quando eu comecei. To com 90, ou quase 90, 88. Que eu nasci em 17 de julho de 30. Agora em julho, vou inteirar 89, né. Quando eu comecei já tinha muitas bandas de pife. Se acabaram. Morreram os homem tudinho, que tocava. Comecei a tocar mais Geraldo Muneio. Toquei mais Nem, filho de Geraldo Muneio. Depois que Seu Geraldo morreu, eu tocava mais Gelci e um rapaz de Duas Pedras, muito tocador, também. Aí agora eu tô mais o Gelci, graças a Deus.”

“Aqui mesmo num tem que teja aprendendo. Eu não tenho capacidade de arranjar 24 pife ou 16. Não tenho capacidade de comprar um zabumba. Não tenho capacidade de comprar uma caixa. Não tenho capacidade a passar a ensinar a pessoa todo dia de graça, como é que eu podia fazer? Eu digo, me dê condições. Me dê os instrumentos, que eu faço questão.”

“Comecei a tocar em 71, 72. Nunca mais faltou pife pra tocar. Nunca mais faltou zabumba. Todos ano eu toco. Eu toco pife num é porque eu quisesse. É porque chegou, parece que tudo tem um mistério. Eu tava na minha casa quando foram me chamar. Que eu não tocava pife. O tocador que tava tocando mais Seu Pedro foi-se embora. Solteiro. Aí Seu Pedro foi buscar eu. Vicente veio buscar. Ou foi Vicente ou foi Mundola, num lembro mais não, tá com quanto tempo? Aí eu digo: – Eu num sei tocar pife! – Não, vai tocar! Aí Seu Pedro tocando e eu não sabia de p… nenhuma, ele tocando no trem e eu… aí que enrolemo os três dia da festa direto. Aí quando tava terminando a festa, chamaram pra nós tocar no Rosário. Aí Seu Pedro: – Quem vai é você. Lá no Rosário eu toquei a primeira tocada. Aí pronto, nunca mais ele tirou tocada na minha frente. Só quem tirava era eu.”

“Nós tinha cinco festejo. Três se acabou. Nós tão tocando em dois. Se acabou pra mim. Só tocamos na Canavieira e no Araripe. Aí na serra a gente toca assim diária. Sempre nós toca na serra. Lugar bom de cabra tocar é na serra. Eu gostei. Renovação.”

“Eu fico muito satisfeito quando eu tô operando pra Deus. Eu acredito que essa banda pertence a Deus. Acredito que… Ouvi dizer, não sei se é verdade. Foi um senhor muito sábio, me disse que foi a única banda que tocou pra Nossa Senhora quando ela tava aqui na terra, essa banda de pífano.”

“Quando eu tô tocando eu fico jovem, que nem vocês. Me considero jovem. Só de ter alegria de estar assim já é uma coisa importante. Eu tenho muita fé no Divino e eu tô tocando aqui mas o pensamento aqui é como vejo ele. Vejo assim, no pensamento.”

“Eu gostei muito do Frei Damião também, confessei com ele, eu gostei muito do Frei Damião. Mas o santo que eu dou mais valor de todos é Jesus e Maria. Gosto muito de Dona Maria José, a mãe de Jesus Cristo.”

“Chamava Exu Velho. Lá tinha uma tribo de índio. Aqui era mata. O Exu chamava Lagoa dos Cavalos. E aqui era mato. Aí o barão foi e comprou a Gameleira e começou a tomar de conta dos índios, escravizando, e lá vai, aí uma parte de índio foi embora. Houve uma doença muito forte aqui, a tal da cólera. Não sei se já viu o nome dela. Muito perigosa. Aí ele teve medo, fez o Araripe, ali. Pegou com João Batista, São João Batista. Se a doença não matasse os neguinhos dele, ele ia construir uma igreja pra São Sebastião. Aí também, não morreu, não. Aí o Padre João Batista fundou aqui o Novo Exu. Aqui era Novo Exu outrora. Aí deu o nome de Novo Exu por causa do índio lá que chamava Ansu. Aí o barão saiu de lá, veio morar aqui no Araripe, mas ficou o engenho dele lá, as canas dele. E um pessoal que ele deixou ali. Mas aí passou pro Araripe. Araripe cresceu e lá se acabou. A igreja de lá caiu, ficou aqui Exu, Novo Exu. Era Exu Véi e Novo Exu. Agora é tudo Exu. Lá a igreja tá só as paredes. Ele foi enterrado na igreja daqui aí levaram os restos mortais dele lá pra Araripe. Eu não aprendi esses dobrados com eles (com os índios). Eu aprendi com Antônio Angelim, mas dizem que esses dobrados, essas tocadas de baião, aqueles baião – Luiz Gonzaga toca baião, foi tirado desses baião que nós toca no pife. Vou tocar um baião antigo, dos índios. Aqui a tocada que Luiz Gonzaga queria era essa assim, que nós tava tocando. Não queria que tocasse música dele, não.”

“Quem conhece Luiz Gonzaga, ele era um homem que dava valor a todo mundo. Fizesse por onde. Agora, canalha com ele, cabra ruim… Agora, Luiz Gonzaga era homem que dava valor a todo artista. Podia ser fraquinho que nem eu, que nem minha banda, que é fraca, mas ele dava valor. Aí no parque, ele ia tocar aqui, no dia da festa daqui, a abertura era com nós. Ele botava a cadeira de trás de nós, eu tocando aí. Tocava oito, dez baião. Aí ele, de trás. – Tá bom? Já tava cansado, preguiça como o diabo: – Toque mais uma ou duas. Uma preguiça danada!”

“Isso aqui que era tocada de primeiro! Tocada que ninguém usa mais. É difícil. Só quem tocava ainda, era eu e Zé Gordinho, esse aqui ainda toca umas tocada também. Mas os tocador que tem aí só toca bagaceira. Os tocador que eu toquei de 80 até agora se acabaram tudo. De tocador veio, só tem eu e Mundola. O resto se acabaram tudo. Eu já tava tomando gosto da coisa, eu dei um carão em Luiz Gonzaga aqui, disse que num ia mais tocar pife. Que ele me ajudou a tocar a pife. Ele disse: – Você é um besta, você não sabe nem o que tá dizendo. Isso é um dom que Deus lhe deu, agarre com as duas mãos e não deixe, não! É tanto que eu tô com quase 90 anos, se eu inteirar 100 é ainda tocando pife.”

Ênio:

“Eu já comecei a tocar com você (Louro), já. Aí de lá pra cá… Eu fui ser funcionário aí diminui mais a tocada com eles, porque o tempo num dava. Sempre gostei. É música de pífano, forró, de tudo. Pé-de-serra. E tanto que através de tocar com Luiz Gonzaga foi através deles, porque Luiz Gonzaga me viu acompanhando ele no pífano, entendeu? Aí ele me viu e achou… Pronto, chegou e falou comigo, continuei. E até hoje eu acho bom. Quando eu num tô, eles ficam agoniado. Pode ser o que for. Eu me sinto satisfeito tocando zabumba pros pife. Que tem gente que diz: – Ah, eu num toco pro pifeiro. Eu toco como se fosse pro… Eu tocava pro Rei do Baião e num toco pro pifeiro? Que eu fui tocar com o Rei por causa deles.”

“Zabumba é o seguinte, é como se diz, Deus já dá o dom pra gente. Quando eu toquei pela primeira vez, ninguém me ensinou. Fui pegando logo e já emburacando aqui. Isso, o pai de Mundola, eu lembro que ele era até meu padrinho, eu menino, acho que com seis ou sete, oito anos, eles tocando e eu dançando. E já num pé dum zabumba. Dos pífano. Da rua que nós morava. Aí o pai dele tocava zabumba e tinha os pifeiros e tudo. Cheguei a conhecer. Há mais de 50 anos. Tenho 64, aí… Onde tem um zabumba, eu tô. Onde tiver um pife, eu tô. Onde tiver um sanfoneiro, eu tô.”

Gelci:

“Tem mais ou menos uns trinta anos que eu toco. E assim, eu toco porque eu acho bom, né? Apeguei. No começo, eu era pequeno também, via os tocador tocando, eu achei muito bonito, né? E aí me apeguei a tocar, gostei muito e pedi a Deus também pra Ele me ajudar, pra eu aprender, que eu não sabia nem pegar. E aí fui treinando, até que hoje eu tô tocando. Toco porque acho bom, que acho bonito e é uma cultura que eu gosto, dou valor.”

Mundola:

“Em 1960 comecei a tocar. Com idade de 12 anos. 10-12 anos. A tocar mesmo comecei com 12 anos. Saía aqui prum sítio, pra tocar numa renovação, eu garoto, tinha que levar eu na cacunda. Cansava, né, andava a pé, num tinha transporte, ia levando na cacunda. Uma vez fomos tocar… zabumbeiro num foi. – Cadê o zabumbeiro? Aí o tocador de pífano, era o que me ensinou a tocar, Mariano, disse: – Olha, o zabumbeiro, a onça comeu no caminho. O dono da renovação foi quem foi tocar o zabumba. Quando deu assim umas doze horas, mais ou menos, a banda ia voltar de lá pra cá. E na estrada tinha onça mesmo. Aí nós viemo. Com zabumba, eu com a caixa e o outro veio. Quando chegamos no meio do serrote, lá, aí a cachorrinha partiu pra trás. Ficou grunhindo nos pés da gente. Aí disse: – O que foi que é isso aí? Eu olhei assim: – Tem um bicho na estrada, acolá. – O que é? – Deve ser uma onça. Aí o veio pegou, o veio Jesuíno, que tocava pife mais nós, bateu na zabumba. Bum! Foi pra dentro do mato. Correu. Quando eu olhei, saiu pelo outro lado, por trás da gente. Desde esse tempo mamãe não deixou eu andar mais de pé com eles. Se não fosse um transporte pra vim buscar, não deixava ir. E fomo continuando tocando. Quando Nossa Senhora Aparecida veio pro Exu em 58, não tinha tocador de pife. – Vamo atrás de Lourival. O zabumbeiro da gente chamava-se Vicente Jesuino. Aí toquei mais Lourival, toquei mais Jesuino, toquei mais Solteiro, toquei com Seu Geraldo, toquei com Zé da Lagoa, toquei com Seu Pedro Moreira. Eu tenho foto tudinho deles, lá em casa. Aí o pessoal chamava pra mim ir. – Leva o menino lá, que o menino sabe tocar caixa! Quando a gente falhava um toque, Angelim vinha e dizia: – Vem aqui, Mundola, vou tocar, presta atenção meus dedo. Ele tocando no pife e eu olhando. Eu fazendo os cambito como eu faço hoje do mesmo jeito. Aí aprendi pelo pife. Os outros, todo mundo toca pelo zabumba. Se o zabumba parar, aí num toca. Mas pode parar o zabumba, se o pife tocar, eu toco sozinho. A festa de Bom Jesus aqui, a gente não toca mais porque o padre não deixa. O padre diz que tem que dar o dinheiro pra igreja. Porque precisa do dinheiro pra igreja. Agora todos esses sítios que têm uma capela, a gente vai lá, o povo gosta. Nós toca mês de junho, a gente toca na Canavieira, toca 14 dias. De lá, começa no dia 13, dia 14 nós vão pro Araripe, começa lá no dia 15, na terra de Gonzaga. Agora lá é festa. Olha, as duas coisas que eu tenho mais prazer na vida: tocar caixa e o terço dos homens na segunda feira.”

 

Músicos e Bandas

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