AS ESCALAS DO PIFE
Por Daniel de Lima Magalhães
Como sabemos, o pífano tem sete furos no total, sendo um de soprar e os seis restantes, de digitação. No pife tradicional, os seis furos são feitos numa mesma bitola, normalmente com diâmetro em torno de 10 a 12mm e têm um espaçamento eqüidistante.
A chamada escala natural, cuja tônica obtém-se com todos os furos tampados, é tocada abrindo-se progressivamente cada furo, começando pelo mais próximo da extremidade. A escala resultante é parecida com uma escala maior, do tipo dó-ré-mi-fá-sol-lá-si, a não ser pelo terceiro grau, o que seria um mi, que, na prática, soa quase como um mi bemol, isto devido à posição eqüidistante do segundo furo em relação ao primeiro e ao terceiro furos.
Fora do contexto tradicional, muitos fabricantes e tocadores tentam contornar esta situação alargando bastante o diâmetro do segundo furo e ao mesmo tempo diminuindo o diâmetro do primeiro e do terceiro furos. Mantém-se desta forma uma posição eqüidistante e confortável para os dedos entre os furos e corrigi-se a questão do temperamento da escala. Em outra solução, que opta por manter a uniformidade do diâmetro dos furos, arrasta-se a posição do segundo furo para perto do terceiro, o que tem o inconveniente de afastá-lo demasiadamente do primeiro furo, gerando, com isso, desconforto na digitação, especialmente no caso de pífanos maiores ou para tocadores cujas mãos não sejam tão grandes.
Porém, no ambiente tradicional, a abordagem do pífano é completamente distinta. No caso da escala referida acima, o que se espera escutar no terceiro grau oscila entre um mi bemol e um mi natural, sendo a escala resultante, por vezes, de sabor maior, mas também em algumas situações de sabor menor, mais parecida com o modo dórico. Neste caso, acrescenta-se também o costume de se tampar o sexto furo (o furo digital mais próximo do bocal) pela metade, o que faz abaixar o sétimo grau da escala. Aliás, este furo mais próximo do bocal é freqüentemente tampado pela metade nas demais escalas características do sistema musical do pife nordestino.
Ao lado da escala descrita acima, temos outra, talvez a mais usada dentre todas, cuja tônica tem uma posição de digitação com os três furos mais próximos do bocal tampados, chamada também de escala natural. Novamente o sexto furo é tampado pela metade, o qual, desta vez, produzirá o quarto grau. O sétimo grau, com os quatro furos mais próximos do bocal tampados, tem o mesmo sabor ambíguo referido acima. A escala resultante agora tenderia a um modo mixolídio, podendo oscilar para uma escala maior.
Porém, a típica escala maior dentro deste sistema é ainda mais surpreendente e inesperada para quem não está habituado à linguagem do pife tradicional: a fundamental é produzida pelo sexto furo (o mais próximo do bocal) tampado pela metade. No caso desta escala, percebemos como aquele mesmo furo que causa uma ambigüidade nos casos discutidos acima, aqui vai ser, no nosso entender, mais nitidamente ouvido para baixo, para se acomodar como o quarto grau desta escala. Finalmente, outra escala por vezes também usada é a escala menor, cuja fundamental produz-se com os cinco furos mais próximos do bocal tampados.
No repertório registrado durante a pesquisa não foi observado o uso de outras escalas. No entanto, o pesquisador americano Larry Crook, de quem recomendamos a leitura de sua tese de doutorado, conforme seus levantamentos na região de Caruaru na década de 1980, ainda menciona, além dessas escalas, outra escala menor, que tem a tônica produzida com os quatro furos mais próximos do bocal tampados.